Ele era um menino comum, assim como todos os meninos comuns de sua rua, bem como de seu quarteirão e de seu bairro. E assim como todos os meninos comuns, tinha um segredo.
Segredo esse que o corroia por dentro, roubava suas horas de distração e tornava seu sono uma tarefa irrealizável. Segredo que ele por diversas vezes tentou ocultar de si mesmo, mas agora não havia mais volta, ou ele assumia, ou se tornava escravo de sua triste condição: Era alérgico.
A essa altura já não havia muito a perder, um mês atrás, ele espirrou seu amor pelo mundo, em duas semanas já tinha espirrado seu nome, seu endereço, seu itinerário, seu rumo e seu prumo,deixando como marca seus olhos cada vez mais foscos, um ar desinteressado e uma leveza... uma leveza indescritível.
Mas apegado que era à vida, não podia se deixar espirrá-la, e correu para um medico, enquanto não espirrava o caminho.
Pobre de nosso rapaz, correu ao consultório somente para se dar conta da triste verdade: Era alérgico a si mesmo.
Primeiro ficou aborrecido, assustado por participar cada vez menos das respirações humanas, mas aquela leveza... aquela leveza... podia quase flutuar... a essa altura já não ligava mais. Então, rapidamente, parou de se segurar, espirrou tudo que ainda o mantinha por aqui: espirrou suas preocupações, seu medo do futuro, seu apego, suas paixões...
A ultima cena que se viu de nosso menino foi intrigante, ele tinha um ar de tranqüilidade em seu rosto, e laçava um olhar calmo a todos, enquanto, sem pressa, espirrava a si mesmo.
